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sábado, 9 de agosto de 2014

Roger Martin Du Gard - Os Thibaults

Os Thibaults - Roger Martin Du Gard




“Respeito muito os paleógrafos, mas nunca houve um grande escritor paleógrafo. 
Lógico, com execção de Roger Martin Du Gard”
Antônio Iuskx – meu professor de literatura


Muito acelerado, não temos tempo a perder. Sabemos quando vamos morrer, qual a nossa expectativa de vida. Colhemos informação na net instantaneamente, com impaciência ficamos quando algo não nos chega automaticamente. Tem-se pouco tempo, as noites são curtas, na televisão assistimos séries densas e complexas de no máximo meia hora. Tudo nos chega mais denso, mais sintético, comprimido, arrumado, mastigado, testado, traduzido, facilitado. Pudera, Somos bombardeados por informações que nos chegam de todos os lados, da hora que acordamos, até a hora de dormir. Mesmo dormindo a informação não cessa. Temos que aplicar filtros. Temos que restringir a informação, se não enlouquecemos. No trabalho somos multifuncionais, aprendemos mais do que devíamos e executamos mais do que alguma vez sonhamos quando estudávamos ingenuamente na escola. Estamos conectados em todo lado e de todo o mundo aparece algo que tende a nos repuxar para a conexão que utopicamente queremos abandonar.

Portanto, no dias que correm, o que leva um ser humano a querer ler um livro de 2.950 páginas, que pesa quase 15 quilos?

Aos vinte e cinco anos fiz esse questionamento quando resolvi empreender a leitura dos Thibaults de Roger Martin Du Gard, não só os tomos traduzidos por Stuart Gilbert, como também a longa parte VII, da guerra, e o epílogo. Na altura estava obcecado por Andre Gide por causa de um texto que ele havia escrito sobre Dostoiévski - o melhor que havia lido sobre o grande mago. Se Gide era amante de Du Gard e reconhecia nele o escritor perfeito, eu, por encadeamento compulsivo, senti-me tentado a ler a obra.

Tornou-se a minha maior motivação vencer a vontade de desistir daquelas páginas longas, de parágrafos compridos, com descrições exaustivas de detalhes frívolos, de problemas banais da família Thibault e seus amigos idiotas, e parentes transviados,  e amantes aborrecidos (Evelyn Waugh escreveu muito melhor em Memórias de Brideshead).

Qualquer um pode ler qualquer coisa, mesmo um analfabeto.

Alguns conseguem ler, compreender, interpretar, analisar, discutir, absorver e ensinar. Ler Os Thibaults, no entanto, vai mais além. Para resistir à vontade de desistir precisamos penetrar naquele romance-rio não como leitores, mas como personagens subservientes. Quando descobri essa fórmula, esse meio, essa tática, vi-me, durante 8 meses (o tempo que demorei para chegar ao epílogo) como um personagem secundário perambulando pela história.

Esse estágio de (des)graça atingiu o seu clímax no sexto livro (ou sexto capítulo), o da morte, em Paris, do velho e chato Óscar Thibault, um conformista social e religioso que nunca aceitou as posições dos seus dois filhos Jacques e Antoine. Nunca nenhum autor conseguirá atingir o grau de meticulosidade que envolve a morte natural de uma pessoa, como fez Du Gard nesse capítulo. O desenvolvimento da narrativa no longo espaço de tempo percebido pela iminente morte de Óscar é avassalador. Como personagem secundário e bajulador, na altura eu era o mordomo do velho e passava quase despercebido. Levava-lhe chás e biscoitos, lia-lhe as cartas, escrevia-lhe bilhetes para os filhos e amantes, administrava-lhe morfina.

O final, o da guerra, escrito como um diário, é espetacular para quem procura estudar as origens do culminar da primeira guerra mundial na perspetiva francesa (Du Gard combateu na linha de frente e dizem que foi aí que descobriu a sua bisexualidade), no entanto, nunca cheguei a terminá-lo, porque havia ficado extremamente cansado pela angústia que vivi com a morte do velho Óscar, que me fez rever incessantemente, mesmo após alguns anos, o seu crematório e as cinzas flutuando sobre as tumbas da sua Fundação. 


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